22.7.09

Cineclube Natal - sessão especial: Patativa do Assaré e Chama Verequete

Exibição nacional de filmes sobre Patativa do Assaré e Mestre Verequete chegam à cidade pelo Cineclube Natal e Livraria Siciliano

No próximo sábado, 25 de julho, o Cineclube Natal, em parceria com a Livraria Siciliano, numa realização do Conselho Nacional de Cineclubes, exibirá os documentários Patativa do Assaré: Ave Poesia e Chama Verequete. O primeiro é uma produção de Rosemberg Cariry e foi vencedor do 5º Festival de Belém do Cinema Brasileiro. Já o filme sobre o Mestre Verequete, personagem fundamental da história do ritmo raiz do Pará, o Carimbó, tem direção e roteiro de Luiz Arnaldo Campos e Rogério Parreira. A sessão é um evento de mobilização nacional, exibindo os filmes em vários cineclubes brasileiros, organizada pelo CNC (Cons. Nacional de Cineclubes).

100 anos de Patativa

Documentário de Rosemberg Cariry estreia no dia do centenario do poeta de Assaré.


No documentário histórico Patativa do Assaré: Ave Poesia, o público poderá acompanhar um pouco dos 93 anos de vida e poesia de Patativa do Assaré. Além da imagem “oficial” do poeta, o documentário mostra aspectos do seu trabalho na roça e do cotidiano com a família e os amigos. A narrativa começa com imagens do velório de Patativa, em nove de julho de 2002, e, a partir daí, percorre sua vida, com referências a acontecimentos pessoais e históricos.

“Patativa é mais do que um poeta. Ele representou a figura arquetípica do velho sábio, do grande mestre, a quem sempre prestamos reverência. A poesia, a consciência política e a ética do Patativa são coisas que marcaram a conduta de vida de uma geração”, comenta Cariry.

Desde 1978, que o cineasta cearense vem filmando aspectos da vida de Patativa do Assaré. “Quando estava em Fortaleza, ele ficava lá em casa, onde registrei muitas de suas conversas gostosas. E eu sempre retribuía a visita, indo até Assaré. Tenho mais de 100 horas de filmagens com ele. Registros em Super-8, 16mm, 35mm, U-Martic, Betacam, em todas as bitolas de vídeo e cinema”, conta. Na construção de Patativa do Assaré - Ave Poesia, com 84 minutos de duração, Rosemberg Cariry mergulhou em seu arquivo pessoal. “Depois da morte do poeta, passei algum tempo para criar coragem e fazer o filme.


Foi quando me debrucei sobre meu farto material”, diz. “O resultado é um filme onde o Patativa fala e mostra-se em suas dimensões poética, humana e política. Não procurei fazer um grande exercício de linguagem. Não tem nada de inovador na produção. Fiz este filme para o velho mestre, para que as pessoas vejam e compreendam a grandeza de Patativa do Assaré.

Espero que o filme esteja à altura do poeta”, completa. Muitos depoimentos ajudam a construir a imagem de Patativa do Assaré. Ricardo Bezerra, Raimundo Fagner, Fausto Nilo, Oswald Barroso, Amâncio, que conviveram com o poeta, participam do filme com seus depoimentos. A obra é resultado de anos de vivência e pesquisa. Além de depoimentos, imagens documentais de Patativa do Assaré e acontecimentos históricos, são usados registros de jornais, tevê, rádio e muitas apresentações públicas do poeta, em teatros, feiras.

Assista aqui ao trailer oficial de Patativa do Assaré - Ave Poesia:


VEREQUETE: A História

A história de Verequete é muito parecida com a história de muitos homens do interior do Pará que deixaram tudo, em seus lugares de origem, para tentar conseguir melhorias de vida na capital do estado. A diferença, no entanto, é que Verequete, nesta sua “diáspora”, carregou consigo diversos elementos de sua cultura “original” e os reelaborou em um novo contexto, um contexto urbano, construindo uma identidade cultural que lhe acompanha desde muito tempo até os nossos dias. O carimbó é a sua arte de transformação. Na verdade, sua música não pode ser considerada como um carimbó típico. Trata-se de um “ponto cantado” que é acompanhado pelos instrumentos do carimbó, ao invés dos tradicionais atabaques. Além disso, em Chama Verequete, como em outros “pontos” reinterpretados por Verequete, não há o acompanhamento musical feito por instrumentos de sopro (clarinete ou flauta), tal como é comum na prática do carimbó. O mesmo acontece com os “pontos” “Balanço do mar” e “A sereia”. Chama Verequete é iniciado com a vibração intensa de dois maracás, enquanto se inicia a invocação da entidade.

Extraído do texto Luiz Augusto Pinheiro Leal / Revista RAIZ

Assista aqui a um trecho de Chama Verequete:


Sessão especial
Sábado, 25 de julho
19 horas
Livraria Siciliano (auditório) - Midway Mall
Av. Bernardo Vieira, 3775 - Tirol

Fone: (84) 3235-8208
Entrada gratuita
Classificação indicativa: livre


Exibir mapa ampliado


[FICHA TÉCNICA: "PATATIVA DO ASSARÉ - AVE POESIA"]
País/estado: Brasil/Ceará
Ano: 2009
Duração: 84 minutos
Idioma: português
Gênero: documentário
Estúdio: Cariri Filmes, Iluminura Filmes
Roteiro: Rosemberg Cariry
Direção: Rosemberg Cariry
Produção: Petrus Cariry e Teta Maia
Fotografia: Jackson Bantim, Ronaldo Nunes, Beto Bola, Kin, Rivelino Mourão, Luiz Carlos Salatiel e Fernando Garcia
Música: Patativa do Assaré, Fagner, Fausto Nilo, Mário Mesquita, Ricardo Bezerra, Pingo de Fortaleza e irmãos Aniceto
Edição: Rosemberg Cariry
Elenco:

Principais premiações: Melhor Filme no 5º Festival de Belém do Cinema Brasileiro


[FICHA TÉCNICA: "CHAMA VEREQUETE"]
País/estado: Brasil/Pará
Ano: 2002
Duração: 18 minutos
Idioma: português
Gênero: documentário
Roteiro: Luiz Arnaldo Campos e Rogério Parreira
Direção: Luiz Arnaldo Campos e Rogério Parreira
Produção Executiva: Marcia Macêdo
Fotografia: Marcelo Brasil
Som: Nicolas Hallet
Direção de Arte: Armando Queiroz
Assistente de Direção: Rubens Shinkai
Música: Paulo Leite
Edição: Paulo Leite

Principais premiações: Menção Honrosa - Festival de Curitiba 2002; Melhor Música (Curta 35mm) - Festival de Gramado 2002



9.7.09

Cineclube Natal - 164ª sessão: O Jovem Frankenstein


Um Monstro da Comédia

"Das mais escuras trevas, uma súbita luz brilhou sobre mim. Tão brilhante e maravilhosa e ainda assim, tão simples. Trocar os pólos do positivo para o negativo e do negativo para o positivo. Eu acabo de descobrir o segredo de dar a vida. Não, é muito mais. Eu me tornei capaz de dar vida à qualquer matéria morta." - Barão Victor Frankenstein

Neste domingo, dia 12 de julho de 2009, o Cineclube Natal, em parceria com o Teatro de Cultura Popular exibirá o hilariante O Jovem Frankenstein (Young Frankenstein, 1974), do comediante Mel Brooks, na sessão Cine Vanguarda. A sessão começa às 17:00 horas e a entrada custa R$ 2,00 (dois reais). A classificação etária é livre.


O famoso comediante Mel Brooks sempre gostou de satirizar o cinema fantástico em filmes divertidos como "S.O.S. - Tem Um Louco Solto no Espaço" (Spaceballs, 1987), uma paródia de ficção científica (principalmente à série "Star Wars"), ou "Drácula, Morto Mas Feliz" (Dracula: Dead and Loving It, 1995), uma gozação aos filmes de vampiro. Mas, inegavelmente, sua grande obra-prima foi produzida bem antes, em 1974, com O Jovem Frankenstein (Young Frankenstein), fotografado em preto e branco numa grande e muito honrada homenagem aos filmes de horror antigos dos anos 30 do estúdio "Universal", especialmente os clássicos "Frankenstein" (1931) e "A Noiva de Frankenstein" (1935), inspirados no famoso livro de Mary Wollstonecraft Shelley.

O tributo monstruosamente maluco de Mel Brooks ao clássico de Mary Shelley é a maior sátira de todos os filmes sobre Frankenstein já produzidos. Chamado ao castelo de seu finado avô na Transilvania, o jovem Dr. Frankenstein (Gene Wilder, de "Cegos, Surdos e Loucos" e "A Fantástica Fábrica de Chocolate") logo descobre um manual descrevendo passo a passo como trazer um cadáver de volta à vida. Auxiliado pelo corcunda Igor (Marty Feldman, de "O Irmão Mais Esperto de Sherlock Holmes") e pela curvilínea Inga (Teri Garr), ele cria um monstro (o grande Peter Boyle) que só deseja ser amado. Cloris Leachman, Madeline Kahn, Kenneth Mars e Gene Hackman co-estrelam esta inspirada visão da loucura do doutor.

O Jovem Frankenstein foi filmado em preto e branco com a intenção acertada de reconstruir aquele clima típico das produções antigas da "Universal", em especial os preciosos filmes da década de 30. E o diretor Mel Brooks conseguiu com êxito o objetivo, pois sua obra é uma grande homenagem com inteligência e muito bom humor aos primeiros anos do cinema de horror falado, sobretudo os filmes inspirados na clássica história "Frankenstein", escrita em 1818 por Mary Shelley e dirigido, em sua primeira encarnação, pelo magistral James Whale.

Nesse aspecto, o filme é recheado de grandes referências aos filmes do gênero. Os cenários, principalmente o imponente castelo, são recriações muito próximas dos originais utilizados nos filmes da "Universal", sendo que inclusive os instrumentos e todo o maquinário elétrico e equipamentos do laboratório do Dr. Frederick Frankenstein são exatamente os mesmos criados por Kenneth Strickfaden para os clássicos originais (com um agradecimento especial nos créditos de abertura). A cena onde o monstro está carregando Elizabeth desacordada à noite por uma sinistra floresta, por exemplo, consiste numa referência e homenagem ao clássico "O Monstro da Lagoa Negra" (1954), de Jack Arnold, que tem uma sequência similar envolvendo o monstro do título e a bela Kay, a mocinha interpretada por Julie Adams.

Para aqueles que gostam de comentar que o Cineclube Natal não tem o "costume" de exibir filmes populares, aqui fica o convite. Uma produção popular e de extrema qualidade, que com certeza agradará do inveterado cinéfilo àquele que está procurando apenas uma diversão descompromissada. Todos estão convidados.

Assista aqui ao trailer (em inglês) de O Jovem Frankenstein:


Sessão Cine Vanguarda
Domingo, 12 de julho
17 horas
TCP - Teatro de Cultura Popular "Chico Daniel"
Rua Jundiaí, 641, Tirol
Fone: 3232-5307
R$ 2,00
Classificação indicativa: livre


Exibir mapa ampliado

[FICHA TÉCNICA: "O JOVEM FRANKENSTEIN"]
Título original: Young Frankestein
País: Estados Unidos
Ano: 1974
Duração: 106 minutos
Cor: preto e branco
Idioma: inglês, alemão
Gênero: comédia
Estúdio: 20th Century Fox, Gruskoff/Venture Films, Crossbow Production, Jouer Limited
Roteiro: Mary Shelley (romance), Gene Wilder, Mel Brooks
Direção: Mel Brooks
Produção: Michael Gruskoff
Fotografia: Gerald Hirschfeld
Música: John Morris
Cenário: Robert De Vestel
Figurino: Dorothy Jeakins
Edição: John C. Howard
Desenho de Produção: Dale Hennesy
Elenco: Gene Wilder, Cloris Leachman, Peter Boyle, Teri Garr, Marty Feldman, Madeline Kahn, Kenneth Mars

Principais premiações: Hugo de Melhor Filme Dramático; indicado ao Oscar de Melhor Roteiro Adaptado e Melhor Som, ao Globo de Ouro de Melhor Atriz em Musical/Comédia (Cloris Leachman) e Melhor Atriz Coadjuvante (Madeline Kahn).



2.7.09

Cineclube Natal - 163ª sessão: As Férias do Sr. Hulot


O melhor do humor francês no Cine Café

Nesta sexta-feira, dia 03 de julho de 2009, o Cineclube Natal em parceria com o Nalva Melo Salão Café iniciam o mês dedicado às comédias, intitulado Rir é o melhor remédio, com o excelente exemplar francês As Férias do Sr. Hulot (Les Vacances de M. Hulot, França, 1953), do comediante Jacques Tati. A sessão começa às 20:00 horas e a entrada custa R$ 2,00 (dois reais). A classificação etária é livre.


A trama do filme consiste no personagem Sr. Hulot saindo de férias para um hotel na praia, mas sua chegada transtorna a vida dos veranistas, pois não há ninguém como ele para provocar catástrofes. Suas melhores intenções degeneram em desastres que só o seu otimismo permite suportar - com muita alegria. Apesar das confusões, Hulot desperta a simpatia, admiração e amizade dos veranistas. No filme, Tati satiriza a burguesia francesa caricaturando seus personagens, como era seu costume. Não é exagero dizer que este filme catapultou Jacques Tati para o sucesso de público e de crítica, sendo a primeira vez que o diretor encarnou o seu personagem alter-ego, o "Sr. Hulot" - que seria a marca registrada do realizador e ator francês.

A comédia de Jacques Tati é uma comédia do "acaso". Se Jerry Lewis e o Inspetor Clouseau de Peter Sellers têm um irmão, este só pode ser Jacques Tati. Como eles, o Sr. Hulot é meio que uma vítima das situações que acontecem ao seu redor e muitas vezes da sua própria ignorância e do seu jeitão atrapalhado. É daqueles personagens que tentam fazer o que é correto e agem de forma sincera, mas que acabam por se complicar e importunar os outros.

Uma pena esse gênio do cinema ter tido uma obra cinematográfica tão reduzida. Seus filmes são poesia, pureza, situações bucólicas, limpidez moral em níveis tão altos que talvez se igualem apenas aos realizados por Chaplin e Keaton. Pouco compreendido pela maioria dos cinéfilos, ainda assim suas obras permanecem estóicas à passagem do tempo: são atuais porque tratam do Homem e das suas mazelas comportamentais, sendo que, em As Férias do Sr. Hulot, isso está bem espelhado nas diferentes formas de agir dos inúmeros personagens envolvidos.

Curioso notar que um roteiro tão simples gere um conjunto de situações que vão do hilário ao melancólico. Algumas passagens imortais (a cena da estação realmente é única, a entrada dele no hotel) nos dão uma visão mais ampla desse amante da perfeição. Outro fato, nesse filme, é a qualidade da fotografia, excelente, em preto e branco. Mostra-nos que a cor, apesar de tudo, deixa muito a desejar quanto se trata de contar fatos que envolvam pessoas e seus comportamentos - como diria Orson Welles, o preto-e-branco é o melhor amigo de um ator.

Assista aqui ao trailer (em francês) de As Férias do Sr. Hulot:


Sessão Cine Café
Sexta, 03 de julho
20 horas
Nalva Melo Café Salão
Av. Duque de Caxias, 110, Ribeira
Fone: 3212-1655
R$ 2.00
Classificação Indicativa: livre


Exibir mapa ampliado


[FICHA TÉCNICA: "AS FÉRIAS DO SR. HULOT"]
Título original: Las Vacances de Monsieur Hulot
País: França
Ano: 1953
Duração: 114 minutos
Cor: preto e branco
Idioma: francês, inglês
Gênero: comédia
Estúdio: Discina Film, Cady, Films, Specta Films
Roteiro: Pierre Aubert, Jacques Lagrange, Henri Marquet, Jacques Tati
Direção: Jacques Tati
Produção: Fred Orain, Jacques Tati
Fotografia: Jacques Mercanton, Jean Mousselle
Música: Alain Romans
Cenário: Henri Schmitt
Edição: Suzanne Baron, Charles Bretoneiche, Jacques Grassi
Desenho de Produção: Roger Briaucourt, Henri Schmitt
Elenco: Jacques Tati, Nathalie Pascaud, Micheline Rolla, Valentine Camax, Louis Perrault, André Dubois, Lucien Frégis

Principais premiações: Indicado ao Oscar de Melhor Roteiro e ao Grand Prix do Festival de Cannes.


Leia aqui duas críticas sobre As Férias do Sr. Hulot e Jacques Tati:

Roger Ebert - A Magia do Cinema

A primeira vez que assisti a As Férias do Sr. Hulot, de Jacques Tati, não ri tanto quanto supus que riria. Mas eu não me esqueci do filme: o vi de novo numa aula sobre cinema, a seguir comprei o DVD e o vi pela terceira e pela quarta vez, e então ele já fazia parte do meu tesouro. Mas eu ainda não ria tanto quanto deveria, e agora acredito que entendo a razão. Não se trata de uma comédia hilariante, mas de uma comédia de memórias, nostalgia, ternura e otimismo. Há nela momentos em que se ri de verdade, mas As Férias do Sr. Hulot nos dá algo mais raro: uma divertida afeição pela natureza humana – tão singular, tão preciosa, tão particular.

O filme foi lançado em 1953 e exibido por meses, até anos, em cinemas de arte. Sr. Hulot foi um grande sucesso na sua época, do mesmo modo que Como Água Para Chocolate, Os Deuses Devem Estar Loucos e outros filmes menores, que as pessoas recomendam umas às outras. Houve um momento em que os cinemas de arte poderiam ter uma semana de bom faturamento apenas exibindo Sr. Hulot. Jacques Tati (1909-1982) fez apenas mais quatro filmes nos vinte anos seguintes, muito bem trabalhados, muito admirados, mas este é o filme pelo qual será sempre lembrado.

O filme conta a história das férias do Sr. Hulot à beira-mar, na Bretanha. Como interpretado por Tati, Hulot é um homem alto e, de todos os ângulos, "um homem de silhuetas", como observou Stanley Kauffmann: "Jamais vemos um close-up dele, e as suas expressões faciais contam muito pouco". Ele chega ao mar no seu implausível pequeno carro, que mais parece ter sido fabricado para uma corrida improvisada, e se movimenta com rodas de bicicleta. (Eu sempre assumi que o veículo fora preparado para o filme, mas não: tratava-se de um Amílcar 1924 e deve ter dado aos seus proprietários originais muitos momentos de perplexidade).

Hulot, vestido em trajes de férias e com um cachimbo, é excessivamente cordial, mas é o homem que quase ninguém vê. Os turistas estão envolvidos com seu próprio mundo, companhias, planos e somente se apercebem de Hulot quando algo sai errado, como acontece muito. O lobby do seu hotel à beira-mar, por exemplo, é uma ilha de calma até que ele deixa a porta aberta, de forma que o vento pode criar uma série de pequenas e engraçadas contrariedades que teriam que levar dias para serem criadas.

Tati não se preocupa muito em definir os personagens, mas gradualmente vamos reconhecendo as pessoas. Há uma loira (Nathalie Pascaud), que está de férias sozinha, e é sempre muito animada, de uma forma despojada. Hulot, um desejável solteiro, sai com ela, leva-a para dar uma volta, e até tenta, sem sucesso, leva-la a cavalo sobre suas costas, mas ela o mantém a distância com seu sorriso; continua como uma visão ilusória, como a loira no conversível em Loucuras de Verão. Outros estão ocupados em trabalhar duro para se manter por conta própria. Há um garçom que não consegue acreditar nos problemas que aquela gente lhe cria; um velho casal achando que foi designado para inspecionar tudo em seu caminho; um general aposentado que se ofende por qualquer coisa, e criancinhas protegidas pelos deuses, de forma que a sua casquinha de sorvete que parece prestes a derramar quase nunca derrama.

"As Férias do Sr. Hulot" é um filme francês, onde dificilmente aparecem algumas palavras. Mais parece um filme mudo com fundo musical (uma melodia sincopada, que sempre se repete), um grande número de efeitos sonoros e vozes entreouvidas num tom baixo. Tati era um palhaço silencioso, trabalhou como mineiro na juventude, e o seu Hulot parece não sentir falta de uma boa conversa.
O filme foi construído com meticulosa atenção ao detalhe, como um Keaton ou um Chaplin. Gags visuais são criadas com tanta paciência que parecem expor misteriosas funções nos relógios do universo. Considerem a cena na qual Hulot está pintando o seu caiaque. A maré leva a sua lata de tinta embora e a traz de volta num timing perfeito, assim que o seu pincel está pronto para mais tinta. Como foi realizada esta cena? É um truque, ou será que Tati fez inúmeras tentativas até que chegasse à perfeição? É "risível"? Não, é milagrosa. O mar é indiferente aos pintores, mas apresenta a lata quando ela é necessária, e a vida continua, e o barco é pintado.

E a seguir, considerem quando Tati sai para o mar remando em seu minúsculo caiaque que, assim como o seu carro, tem o tamanho errado para a sua altura. O barco vira. Em outra comédia, isto significaria que o herói ficaria molhado e teríamos que rir. Não aqui; o barco se vira de uma forma que parece um tubarão e causa pânico na praia. Hulot permanece absorto. Há quase uma aceitação espiritual no seu comportamento; nada sai como planejado, mas nada o surpreende.

Não somente a paisagem, mas também o som tem vontade própria no universo de Tati. Prestem atenção nas batidas da porta do restaurante do hotel. Será que isto aborrece Hulot, que foi colocado na mesa do Sujeito Solitário, próxima à porta? Provavelmente, mas bater é da natureza das portas e percebemos que ela vem batendo há gerações, e continuará batendo até que o hotel de madeira seja demolido para dar lugar a um complexo hoteleiro, de frente para a praia.

Deixe-me explicar o meu relacionamento com Hulot. A primeira vez que o vi, esperava alguma coisa na linha das comédias pastelão de Hollywood. Em vez disso, o filme abre com uma pequena e agradável melodia, que acompanha o prazer da vida que continua. Hulot chega (incomodando um cachorro que quer tirar uma soneca na estrada) e tenta de tudo para ser um bem-comportado turista. Ele é tão polido que quando o locutor de rádio do hotel diz "Boa-noite a todos!", ele saúda todo mundo, tirando o chapéu. Pelo fato de não ter close-ups, o filme não insiste exatamente em quem era Hulot, ele se torna público – ele era eu.
Eu conhecia todos que Hulot conhecia, me acostumei com as perambulações diárias de cada um, assim como ele, e o acompanhei quando tropeçou durante um funeral e foi confundido com um pranteador; quando a corda de um reboque o atirou no mar, e quando foi acossado por um cabeludo. E então as férias terminaram e todo mundo começou a fazer as malas e partir. Temos uma alusão a como o vilarejo ficaria solitário até o verão seguinte, quando exatamente as mesmas pessoas estariam voltando para fazer exatamente as mesmas coisas.

Quando assisti ao filme pela segunda vez, senti maravilhado, que tinha voltado para o hotel. Não era a sensação de estar vendo o filme de novo, mas como se eu estivesse reconhecendo as pessoas do ano passado. Ali, de novo o velho casal (bom, conseguiram atravessar mais um ano), o garçom (onde será que ele trabalha no inverno?) e a moça loira (ainda sem homem na sua vida; talvez seja este o verão no qual...).

Quando um filme conseguira tão sutilmente e tão perfeitamente capturar a nostalgia dos dias felizes do passado? O filme trata do mais simples dos prazeres humanos: o desejo de escapar por alguns dias, de brincar em vez de trabalhar, de respirar o ar marinho e talvez encontrar alguém legal. É sobre as esperanças que se ocultam sob todas as férias e a tristeza de quando terminam. E também é divertido que passemos pelos nossos dias tão atentamente, enquanto o mar e o céu passam pelos deles.

JACQUES TATI - por RUBENS EWALD FILHO (OS 100 MAIORES CINEASTAS)

Os franceses não são conhecidos especialmente pelo seu senso de humor. No entanto, as pessoas esquecem de que não existiria Chaplin se não fosse Max Linder (em que ele confessadamente baseou grande parte de seu personagem e maneirismos). Ou só pensam em Louis de Funés, Fernandel e Bourvil como os mais legítimos estereótipos do homem francês em seus diversos tipos característicos. Mas existe um humorista que ultrapassa qualquer fronteira simplesmente pelo inusitado do seu estilo de fazer rir. Quase que com vergonha, como se não quisesse provocar gargalhadas, como se o riso atrapalhasse o raciocíonio transformando-o em mera catarse. E sempre brincando com a expectativa do público, muitas vezes negando-lhe o esperado. Nenhum humorista francês foi tão grande quanto Jacques Tati (e poucos tiveram sequer a coragem de seguir sua trilha, talvez um pouco Pierre Étaix) e sua criação o Monsieur Hulot. Aquele sujeito sempre com capa de chuva, guarda chuva, chapéu, cachimbo, um passinho esquisito, o ar distraído, gestos largos e que nunca era o deflagrador das piadas, das situações. Nem a vítima, só mais um espectador diante de uma catástrofe que ele não pôde evitar. O fantástico é que Tati não imita ninguém. Fazer com que o público imagine a graça é o seu grande trunfo.

(1907-1982). Diretor, roteirista e ator francês. O maior nome do humorismo francês, uma personalidade única e singular, ex-jogador de rúgbi e mímico, começou no cinema em 1932, escrevendo e interpretando cinco curtas. Fez alguns papéis em fitas dirigidas por Claude Autant Lara (Le Diable au Corps, Sylvia e o Fantasma /Sylvie et le Fantome), passando à direção em 1946 com L'École des Facteurs. Estrelou também o Curta Sparring por um Dia (Soigne ton Gaugle, 1936) dirigido por René Clément. Trabalhando independentemente, enfrentou dificuldades e falência, ao rodar em 70 milímetros e construir uma cidade inteira para Playtime. Seu personagem padrão é Mr. Hulot, mais observador do que deflagrador de suas gags visuais elaboradíssimas. Ele voltaria depois em Meu Tio, Playtime, Trafic. Carrossel da Esperança foi rodado a cores mas as cópias desapareceram. Primeiro descobriram algumas cenas coloridas para depois nos anos noventa finalmente ser lançada à versão a cores (onde aliás já se via a gestação do personagem de Hulot). Seu último filme feito em tape, é apenas uma coleção de números meio circenses, que nunca chegou a ter grande exibição internacional. Um caso trágico de um grande artista, que foi capaz de criar um grande personagem, mas acabou falido e quase esquecido.

Dir.: 1947 – Escola de Carteiros (L'École des Facteurs .CM. Tati). 1949 – Carrossel da Esperança (Jour de Fête. Tati, Paul Frankeur). 1953 – As Férias do Sr. Hulot (Les Vacances de Mr. Hulot. Tati, Nathalie Pascaud). 1958 – Meu Tio (Mon Oncle. Tati, Jean Pierre Zola). 1967 –Curso Noturno (Cours du Soir. CM). Tempo de Diversão (Playtime. Tati, Barbara Dennek). 1971 – As Aventuras de Mr. Hulot no Tráfico Louco (Trafic. Tati). 1974 – Parade (produção sueca, em video-scope).